Já se disse que as ideias movem o mundo. E são elas que podem transformar sonhos em realidade, além de construir futuros. Por isso é tão importante e fundamental compreender o universo mental e cultural de Michie Akama inserida na sociedade brasileira de um período Pós-Guerra.
Na página “Um Lugar, um Sonho” mostramos as principais dificuldades enfrentadas por Michie Akama, não apenas como imigrante japonesa e àquela altura viúva e mãe de um filho pequeno. Mas também seu papel social como mulher e como educadora.
Neste ponto, queremos apresentar um pouco de suas convicções que ajudaram a embasar e criar uma rota consistente de formação para jovens imigrantes ou filhas de imigrantes.
Em primeiro lugar, é preciso entender que o lugar do feminino na cultura japonesa era muito importante. O bom casamento só ocorria se tais moças fossem prestimosas o suficiente para cumprir suas funções de donas de casa, mães e esposas dedicadas. O que envolvia habilidades como cozinhar, costurar, bordar e zelar pelos membros de sua casa. Ser apoio e referência tanto de moral e bons costumes quanto de aplicação de princípios de disciplina e respeito.
Mas não era apenas isso. Segundo diferentes escritos de Michie Akama a mulher teria que ser capaz de mostrar uma beleza maior do que as maquiagens e roupas pudessem ter, e isto deveria ser a partir daquilo que soubesse conversar. Por isso, vários atributos eram importantes sob este olhar, dentre eles desenvolver o gosto pela leitura, pela delicadeza (que podia ser desenvolvida tocando um instrumento musical, bordando ou fazendo arranjos de ikebanas), ou um raciocínio ágil e rápido para saber fazer contas, criar moldes para roupas ou até mesmo desenvolver receitas e aprender combinações de alimentos e sua conservação. Ou seja, o universo que Michie Akama atribuía à educação iam bem além do que simplesmente o rótulo de Escola de Corte e Costura.
Desta forma, a educação geral era voltada para apreciar música, artes e sensibilidades eram cultivadas por não apenas por meio meio de ikebanas, mas também por atividades físicas físicas mais vigorosas. Mente, corpo e mãos ágeis para destreza mental. Este era o objetivo.
Como forma de entendermos este universo, segue a transcrição das ementas dos cursos, datilografados e organizados por ocasião do momento em que se procurava oficializar a Fundação.
Em verdade, representam as linhas gerais do que se pretendia com cada uma das linhas mestras dos cursos livres oferecidos até então e nos dão a dimensão e expectativas de sua fundadora:
- Corte e Costura
O ensino de Corte e Costura foi a atividade mais antiga da escola.
O curso foi ministrado não apenas na teoria, mas, também, na sua prática. Além da técnica, procurou-se aperfeiçoar a mente e aprimorar a sensibilidade de cada aluna, por meio de cursos complementares, tais como desenho artístico, desenho técnico, desenho de modas, noções fundamentais de matemática, dentre outros. A escola tornou-se um dos mais tradicionais estabelecimentos de ensino profissional da capital paulista, pelo seu método prático e eficiente, dotando suas alunas com sólidos conhecimentos, aptas a todas as eventualidades.
Os significativos índices de aprovação obtidos pelas suas alunas nos concursos de Habilitação ao Magistério promovidos anualmente pelo Departamento de Ensino Profissional do Estado de São Paulo comprovam a eficiência do método.
b. Trabalhos Manuais
Ensino da arte de tecer, entre outras modalidades de trabalho manual para enriquecer a existência e o aperfeiçoamento desses trabalhos (bordados, tricô e crochê).
Havia ainda o ensino de ‘feitura’ de flores artificiais, onde, pela arte de aplicar flores, podia embelezar a vida pela apreensão do belo, bem como a aquisição de predileções mais nobres e elevadas (observar a relevância da apreciação do belo como uma forma de enobrecer o espírito, característica marcante na cultura japonesa).
c. Português
Foi fundado em 1939, tendo como Diretora Pedagógica, Dona Nair Lemes de Almeida. Inicialmente, este curso teve a função primordial de ministrar o conhecimento do vernáculo aos imigrantes e seus descendentes que, até então, não tiveram a oportunidade de aprender a língua portuguesa.
Posteriormente, o curso reorganizou-se elevando o grau de ensino do vernáculo para evitar retrocesso do que aprendeu no curso primário, ministrando-o no grau comparável ao curso secundário e assim permitir às alunas que desejassem seguir cursos mais adiantados e formar-se para a assimilação da cultura universal.
d. Arte Culinária
Além da culinária propriamente dita, ministrava-se noções de dietética. Esta tinha a finalidade de dar conhecimento teórico e prático, para que as alunas não sentissem dificuldades na sociedade.
e. Higiene, Nutrição e Fisiologia
Era um curso de adaptação da vida ao ambiente em que se vive, mediante conhecimentos científicos.
f. Sociabilidade e Etiqueta
Curso onde as alunas adquiriam conhecimentos necessários para a boa conduta no meio social em que se vive. De acordo com a inteligência pessoal, buscava-se construir uma vida condizente com as exigências da sociedade, ensinando boas maneiras e cultivando “maneiras de pensar”, “maneiras de sentir” e “maneiras de agir”. Ensino de princípios da lógica para adquirir conhecimentos necessários para a boa conduta humana.
g. Música – reconhecendo que a música concorre para melhor compreensão e aprimoramento da sensibilidade, predicados imprescindíveis à vida, ministrava-se o canto, a maneira de saber apreciar músicas, bem como tocar instrumentos musicais (piano, bandolim, flauta) e, finalmente, compor músicas, com a finalidade de torná-la companheira inseparável da vida.
h. Educação Física
Ginástica coletiva todas as manhãs. Ensino de Educação Física como matéria, para através da música ritmada, dotar as pessoas das seguintes qualidades: saúde, perspicácia, decisão, disciplina, vontade firme e espírito de cooperação.
i. Desenho
A educação artística consiste em respeitar as tendências para o belo de cada um e o anseio de realizar esse belo, pois, a diferenciação no modo de realizar esse belo é o que se manifesta em algum setor da arte. A finalidade é ainda, dotar a pessoa de sensibilidade por meio do desenho e incutir em cada um o espírito de ordem.
j. Matemática
Ensino de aritmética e matemática para possibilitar, de acordo com a inteligência de cada um, aplicá-las na vida prática e melhor raciocinar.
k. Língua Inglesa
Ensino, principalmente, pela necessidade no futuro, em decorrência deste país estar situado na América e dos rumos que se pode tomar.
l. História
Ensino da história antiga, moderna e contemporânea, bem como estudo sério da história do Brasil, conhecimentos necessários à vida.
É interessante notarmos que para além desta estrutura de cursos , ainda haviam outras atividades que também possuíam o cunho de formação geral das alunas.
Dentre eles citamos:
As atividades extracurriculares, como o jornal, grêmio, serviços de alto-falantes, instalados em diversas dependências da Escola, competição cultural e esportiva, biblioteca, centro de estudos da Língua e Cultura Japonesa, piquenique realizados à diferentes locais e os chamados estudos do meio (onde se visitavam instituições, locais e até fábricas), excursões culturais e muitas delas de lazer, como idas à Santos ou Rio de Janeiro. As atividades artísticas contemplavam música, teatro, ikebanas e apresentações musicais com coro. Musicas eruditas eram inseridas ao repertorio das alunas por meio de audições semanais onde músicas eram criteriosamente escolhidas para serem ouvidas e explicadas pelo professor.
Os estudos do meio – viagens com interesses educacionais como museus, institutos, fábricas e até outras cidades como Santos e Rio de Janeiro propiciavam tanto momentos de educação como de descontração e ofereciam a oportunidade destas jovens conhecer pessoas e lugares. Abaixo algumas fotos de estudos do meio de viagem a Santos, Rio de Janeiro, Jardim Botânico, o interior de uma fábrica de fabricação de penicilina, um camping e o um passeio à Serra da Cantareira.
Todas as faces do trabalho educativo desenvolvido tinham objetivos que eram apresentados como resultados de todo o tempo em que trabalhavam juntas. Assim, por exemplo, o Bazar que acontecia no mês de Outubro de cada ano era um momento especial. Representava antes de tudo, a finalização de um ciclo de estudos e trabalhos, mas também oportunizava a que todas as alunas pudessem trazer seus familiares e apresentar as colegas e professores, bem como os trabalhos que havia desenvolvido em matérias de moda, bordado e outras manifestações artísticas e de prática como o ikebana.
Neste ambiente, a educação de matriz nipônica era muito importante e estava presente todo o tempo. Mas era exatamente nas aulas de boas maneiras com o aprendizado da Cerimônia do Chá e com o aprendizado da Língua Japonesa que o ápice desta preocupação se manifestava. Assim eram comuns as salas e as formaturas destes grupos.
Não possuímos muitas informações sobre estas imagens, mas sabemos com certeza que eram turmas de alunas de japonês em níveis diversos.
Conheça-as:
É provável que todo este conjunto de situações favorecessem o desenvolvimento intelectual das jovens, ao mesmo tempo em que lhes apresentava possibilidades no mundo. Mas sem dúvida os interesses e vidas compartilhadas faziam a diferença.
No ambiente de internato as jovens compartilhavam suas vidas, seus hábitos mais privados, suas refeições e responsabilidades. Dona Michie considerava que o aprendizado também envolveria os cuidados com elas próprias e com os lugares onde dormiam e comiam. Por isso, todas tinham tarefas e eram responsáveis pela higiene e limpeza de todos os ambientes e auxiliavam na cozinha e no refeitório. Desta forma a teoria se aliava a prática em suas vidas.
As instalações do internato eram modestas, mas indicavam que limpeza, organização e disciplina estavam ali presentes.
Ao mesmo tempo, estas jovens por possuírem esta grau de convivência conseguiam tirar partido de todos os momentos de concentração que tinham.
De tudo o que se disse, nada substitui o que a própria Michie Akama pensava sobre o que deveria ser o papel da mulher e os objetivos pelos quais ensinava.
Em suas palavras:
“Sobre a cultura da mulher
Michie Akama
A finalidade é fazer reconhecer que a mulher existe e atua na família, sociedade, cidade, aldeia, na produção, consumo, no entretenimento e na educação-cultural. Educar é saber formar a personalidade do homem de amanhã, em cada instante da vida, dentro de uma sociedade que vai alterando constantemente, aprendendo todos esses fatores da mutabilidade social, defendendo-se dos fatores adversos para a consecução de seu fim”.
O Tempo é uma costureira especializada em fazer reparos…
E foi assim com Michie Akama…