Quando falamos em imigrantes devemos sempre falar de almas em deslocamento. Ocupam um não lugar físico e o preenchem com seus sonhos e ideais.

A nova terra se apresenta com o imaginário de um lugar que lhe dará tudo, inclusive as melhores condições de um retorno bem-sucedido e com abastança à terra natal.

Na maioria dos casos, estes imigrantes não esperam se fixar para sempre: muito ao contrário! Buscam sempre as condições ideais para quem um dia possam retornar às suas origens.

Mas no meio do caminho há os imponderáveis.

No caso específico que relatamos tivemos uma Grande Guerra que resultou não apenas em perdas materiais e emocionais, mas também resultou em mudanças drásticas nas formas de ser, estar e viver, não apenas individualmente mas enquanto sociedade.

Dito isso, precisamos conhecer um pouco deste trecho de “paraíso” buscado pelo jovem casal de imigrantes Jiuji e Michie Akama que desembarcam com seus sonhos no princípio da década de 1930 no Brasil.

São Paulo, era um ponto atrativo de vinda e distribuição de colônias por todo o estado e por regiões mais interioranas que se distribuíam por outras regiões e até estados.

O sonho imigrante sempre vem recheado de histórias, muitas delas fantasiosas e exageradas. Não seria diferente do que aconteceu no caso da imigração nipônica. O receio de maus tratos e outros problemas levavam aos propagandeadores da nova terra a exagerar em relação aos ganhos e a possibilidade de enriquecimento rápido, dando aos futuros imigrantes a falsa sensação de que em pouco tempo poderiam retornar ao seu país e em muito melhor condição financeira.

Só que a verdade se mostrava bem mais difícil: afastados em fazendas distantes os colonos encontravam termos de contrato que significavam muito trabalho para pouco retorno, doenças e a necessidade de comprarem em armazéns locais que cobravam muito caro por necessidades básicas. O resultado de tudo isso somado era dívida e a impossibilidade do tal enriquecimento fácil e farto.

O universo das colônias

O mito do retorno rápido também possuía uma outra contraindicação: se inicialmente o objetivo era permanecer no Brasil por pouco tempo, os imigrantes, em especial os mais velhos começavam a ter uma concepção de que não seria preciso adaptar-se tanto. E o caso nipônico foi exemplar neste sentido: procuravam manter suas raízes e origens tanto quanto possível. Daí que a educação e o aprendizado da nova língua ficava destinado apenas aos mais jovens ou nascidos no Brasil. Era comum que a educação formal é que fazia o papel de ensinar não apenas as letras, mas também a cultura brasileira. Muitos chegavam à escola sem saber falar o português.

O espaço familiar, dado ao apego às tradições japonesas levavam a distribuição de papéis familiares bem definidos e marcados numa hierarquia onde o homem deveria ser o provedor, a mulher a cuidadora submissa e os filhos o auxílio nos trabalhos com a lavoura. Mesmo nos casos onde os maridos não ganhassem o suficiente, as mulheres os ajudavam na lavoura, mas também tinham de permanecer com suas responsabilidades domésticas.

Era comum que as famílias começassem a ficar numerosas para que houvesse mais braços na lavoura, e assim, os que podiam receber educação seria apenas um ou dois filhos. Às filhas, caberia o papel de ser ‘prendadas’ e arranjar um bom casamento.

Resumidamente, era este o universo que a Família Akama encontrou quando desembarcou no Brasil. Nem tudo eram flores e as dificuldades não eram pequenas.

A realidade para a Família Akama mostrou que seria necessário encontrar alternativas já que as primeiras possibilidades de emprego foram naufragadas quando foram trabalhar numa fazenda de café no interior de São Paulo. Verificando que precisariam alterar seus planos, mudaram-se para a capital de São Paulo.

São Paulo deste tempo era uma cidade que se metropolizava, e portanto, fornecia condições ideais para quem tivesse sonhos de empreender e criar.

E assim se deu.

Na cidade de São  Paulo,  Michie  Akama se matriculou  numa  escola  de  corte  e  costura, em  fevereiro  de  1932.  Em alguns meses obteve  a  habilitação  para  magistério  de  ensino profissionalizante. O curso daria condições de obter uma renda ou utilizá-lo como uma maneira de empreender e continuar próxima da cultura nipônica.

Assim, transcorridos pouco mais de 3 anos após a chegada no Brasil nascia um sonho:

Em 1933, mais precisamente no mês de Junho nascia um espaço dedicado a formação de jovens casadoiras de acordo com princípios éticos e morais de famílias japonesas, era o “São  Paulo  Saihou  Jogakuin”.
Em formato de internato era pensado de forma a oferecer as jovens que vinham de várias cidades distantes da Capital um local onde poderiam ser cuidadas, educadas e preparadas para um bom casamento.

Grupo de alunas tendo ao centro Dona Michie Akama

A Escola de Corte e Costura fundada por Michei Akama em 1933 teve que enfrentar outros desafios que viriam posteriormente, após eclosão da Segunda Guerra Mundial.

Os japoneses sofriam diferentes formas de preconceito mesmo antes da Segunda Guerra Mundial. Nos anos iniciais anteriores à chegada do primeiro navio com imigrantes em 1908 os argumentos contra os japoneses se dava por defensores da eugenia, que viam na miscigenação com asiáticos um prejuízo aos brasileiros.

Nos anos de 1930 e com a ascensão de Getúlio Vargas, as ideias propagadas eram de que os “amarelos” não poderiam assimilar a cultura nacional e para piorar havia rumores de que os japoneses teriam um plano secreto para dominar o Brasil.

Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, o que antes parecia apenas ser boataria passou a ser uma política de Estado contra os nipônicos. E talvez tenha sido neste momento que a perseguição e preconceito aos nipônicos atingiu seus maiores patamares. Era um ambiente hostil e de muitas desconfianças. Situação que se replicava não apenas entre brasileiros, mas entre os membros das próprias colônias, já que o recrudescimento de relações levavam os japoneses a reivindicar e aumentar seu própria nacionalismo, chegando a perseguir e matar outros japoneses que consideravam derrotados. Estes supostos nacionalistas radicais não acreditavam que o Japão havia perdido a Guerra, levando-os a criar sociedades secretas que executavam outros japoneses por considerá-los derrotistas ou traidores. Um exemplo destes grupos fanáticos foi o Shindô Renmei, que através de seus pelotões de ataque, os takkotai executavam fanaticamente outros japoneses.

Este período de politica de Estado contra os imigrantes japoneses levou o governo brasileiro a empreender uma série de medidas restritivas. Dentre elas citamos:

“(…) Mais de 200 escolas de japonês foram fechadas. A língua japonesa foi proibida de ser falada em público; para a maioria dos nipônicos no país, essa era a única forma de se comunicar.
A publicação dos jornais em japonês ficou muito cara (passou a ser obrigatória a edição bilíngüe, japonês-português), e eles deixaram de circular. Em 1939, uma pesquisa da Estrada de Ferro Noroeste, de São Paulo, mostrava que 87,7% dos japoneses assinavam jornais na sua língua materna, um índice altíssimo para os padrões do setor no Brasil.
Os bens das empresas nipônicas foram confiscados. Japoneses não podiam viajar sem salvo-conduto. Aparelhos de rádios pertencentes às famílias eram apreendidos -para que não se ouvissem transmissões em ondas curtas do Japão.
Os “súditos do imperador” estavam proibidos de dirigir veículos de sua propriedade, mesmo os comerciais -os choferes tinham que ser designados por uma autoridade policial brasileira.
Sem que houvesse indícios de que organizações político-militares ligadas às armas imperiais do Japão estivessem atuando no país (como foi o caso de núcleos do Partido Nazista entre os imigrantes alemães), civis japoneses e muitos de seus descendentes nascidos no Brasil foram tratados como prisioneiros de guerra. (…)”

SUZUKI JR, Matinas. “Rompendo silêncio”. Artigo Especial para o Caderno Mais+ da Folha de SP de 20 de abril de 2008

Para bem ou para mal este fechamento de muitas escolas japonesas pelo interior de São Paulo levou a um aumento de demanda pelo curso de corte e costura oferecido por Michie Akama em São Paulo.
De tal maneira que entre os anos pós Guerra houve a necessidade de ampliação de instalações para que as alunas e os cursos pudessem ocorrer.

Por exemplo, em 1943 a escola teve que desocupar o prédio da Rua Tamandaré, mudando-se para a Rua Vergueiro, 235. Em janeiro de 1944, instalaram-se num prédio na rua Vergueiro, 2625, que passou a ser a matriz. Mas ambas eram alugadas, e a campanha para a aquisição da sede própria começou em 1947, após o fim da Guerra.

Estes primeiros espaços que abrigavam a escola podem ser conhecidos abaixo:

Apesar de tudo e numa verdadeira turbulência Michie Akama tinha meios para lutar. Era preciso um plano, uma ideia que possibilitasse vencer todas as dificuldades. E assim surgiu:

Uma Ideia, um Caminho…


Filho de Dona Michie Akama